quinta-feira, 11 de julho de 2013

Dodge Dart DeLuxo 1974 Bronze Brilhante

                  Em uma escaldante tarde de domingo, de um longínquo verão, mais precisamente do final da década de 70, dois bons amigos sentados em um pequeno muro que ficava em frente a casa de um deles, conversavam assuntos variados. Relevantes apenas a mentalidade da gurizada da época. Ou seja, as incontáveis chatices do colégio, algumas desejadas gurias da época e... Dodges! Que na época não eram carros velhos, muito menos antigos, mas sim, novos!
                   Como todos sabem,  as tardes de domingo nas pequenas cidades geralmente são paradas nos dias de hoje, imaginem a mais de trinta anos atrás!!.  Então, lhes peço que usem o imaginário e tentem visualizar o quão monótona era aquela pequena cidade em que os dois amigos estavam. Naqueles tempos, não raras eram as vezes em que pessoas podiam deitar imóveis no meio da rua e ficar ali por vários e vários minutos sem ter que sair, pois não passavam carros a todo momento. Naquele tórrido domingo do verão, nem se fale!  
                   Taquara não era diferente das outras cidades, por vezes, até era pior do que as outras. Mas... no calor do pós meio dia, enquanto anciões tiravam seu cochilo após o almoço, os dois amigos sonhavam acordados! Sentados no muro, solitos, continuavam à conversar. Falavam em um tom de voz baixo, até porque, com as ruas da cidade deserta, não se escutavam barulhos de parte alguma, nem os passarinhos faziam sua comum algazarra.
                     Entre um assunto e outro, por vezes, os dois amigos paravam de conversar por instantes e o silêncio tomava proporções ainda maiores! Nestes momentos, sem pronunciarem uma só palavra, contemplavam a rua deserta, sempre na esperança de ver algo relevante! Ora olhavam para um lado, ora para o outro, e nada. Na cabeça deles, os sonhos eram múltiplos, a mente de um jovem é ilimitada em termos... digamos... surreais!! Como escrevi acima, sonhavam ver coisas ou pessoas improváveis, interessante, algo novo para engrandecer seus pensamentos e poder sonhar mais e mais, o resto do dia, da semana, do mês!
                    Os sonhos mais distantes, os segredos particulares e mais íntimos de cada um afloravam naquela hora. As conversas eram francas e honestas, sem medo de serem recriminados ou tampouco contestados pelo amigo ao lado. Lembrando disto hoje, vejo como fui feliz em poder compartilhar de amigos de verdade, uma época gloriosa, e ao mesmo tempo hoje ter tantas coisas boas para relembrar. 
                    Em meio aquela prosa quase aos cochichos, de repente, quebrando aquele diálogo , ouviram um ronco alucinado, em alta rotação!!  Um ronco que os dois amigos conheciam à quilômetros de distância! Um ronco de um motor V8! Imediatamente se olharam e levantaram do muro para tentar visualizar de que direção vinha o objeto do desejo! Mas a rua em que estavam continuava deserta, atônitos, foram para o meio da rua. A oitava sinfonia de "V-tovem" se aproximava, e rápido.
                    Na época, aquela rua onde os dois amigos estavam tinham poucas casas, o chão era de paralelepípedos regulares, se chamava (e chama até hoje) Ernesto Alves. Esta, que no final da década de 60 até meados da de 70, fora palco de pegas inesquecíveis, organizados pela prefeitura de Taquara, onde corriam DKWs, JKs, Opalas, Corcéis, Simcas entre tantos outros. Para o deleite dos dois guris, naquele momento o presente tentando imitar o passado, e cortando o sepulcral silêncio, entrava de lado pela esquina adiante, sobrando muito, patinando como louco, um Dart marrom!
                    Naquele momento, os dois guris tiveram orgasmos múltiplos de felicidade!! Levantaram os braços acenando, gesticulando violentamente para o herói que estava ao volante da maravilha sobre rodas. Ao ver os dois como platéia, o suposto aspirante piloto, deu tudo que o carro podia dar. As manobras e peripécias foram múltiplas, fazendo o carro patinar muito, ladeando de um lado ao outro da rua deserta!! Em instantes, parava em frente à eles um poderoso e inatingível Dodge Dart!! Os dois guris, de boca aberta, se aproximaram totalmente embasbacados, não tinham palavras para elucidar tal cena, somente vista anteriormente em filmes no antigo Cine Cruzeiro.
                     O dodge, simplesmente imaculado, era novo na cidade. Tinha sido adquirido naquela semana, trazido do estado de São Paulo, rodando, pelo feliz proprietário! Na traseira do carro ostentava a plaquetinha da agência Chambord Auto Ltda, onde, pouquíssimo tempo antes, tinha sido comprado zero quilometro! O Dart era novo, por dentro e por fora, os pneus diagonais, as calotinhas, os estofamentos, comprovavam e davam idoneidade ao carro. No painel de instrumentos, ostentavam inacreditáveis 5700km!!
                      A felicidade estampada no rosto do proprietário era notória. No rosto dos dois guris, que tinham devaneios mentais, era um misto de contentamento e inveja (mais inveja!!), provocados pelo desejo de possuir o impossível! O motorista do bólido vangloriou-se por alguns instantes e desapareceu com o dodge, tal qual como apareceu, em alta velocidade! Saiu da imobilidade patinando muito, deixando para trás os pobres guris, involutos em uma grande cortina de fumaça, levantada pelos pneus do maravilhoso Dodge. Os dois, depois daquele sublime momento, voltaram a contemplar o silêncio daquela tarde quente de verão. Sozinhos e em silêncio novamente, porém... agora tinham novos sonhos e assunto para vários e vários dias. Os dois guris eram eu e o Ganso. (Dezembro/1978)
                     Acredito que este, dentre alguns outros, foram momentos preponderantes pelos quais o destino me direcionou  e influenciou a dedicar minha vida toda aos dodges. Fatos reais e insubstituíveis que jamais vou esquecer, por mais anos que eu permaneça vivo!

Uma das poucas lembranças que tenho do Dart! Numero bonito o serial do motor hein?
Por mais incrível que possa parecer, depois de tantos anos recebendo maus tratos, a plaqueta da Chambord Auto Ltda ainda estava intacta na tampa do porta malas!
                     
                    Nos dois ou três meses seguintes, seguidamente via o Dart no centro da cidade, imponente e belo. Passado mais alguns meses, o carro foi vendido para um cara da cidade de Parobé. Um sujeito que à época, tinha uns vinte e poucos anos. Este, usava o Dart sem pena, sempre que eu o via, estava esmerilhando o pobre Dodge.
                      Até que alguns meses depois, voltando com meu pai de uma viagem, encontramos o dart grudado em um poste de iluminação pública, na RS239, divisa dos municípios de Parobé e Taquara. O carro tinha a frente e a lateral traseira esquerda destruídas. Segundo me contaram naquele dia, o sujeito vinha em alta velocidade, se perdeu, deu de lado em um carro na rodovia, e foi de encontro ao poste de iluminação.
                       Pensei naquele momento que seria o fim do Dart, mas não! Alguns meses depois, tornei à vê-lo no centro de Taquara. Quem o tinha comprado fora um conhecido meu, que, por coincidência ou não..., tive uma conversa agora à pouco, em um bar do centro de Taquara, onde tomo café todas as manhãs. Este conhecido, trabalhava, e trabalha ate hoje, na empresa de ônibus Citral de Taquara.
                      Este ficou com o carro por uns três anos, tempo este em que eu já trabalhava com dodges. Então , naquela época, fiz alguns serviços no carro.  O Dart nem de longe, era parecido com aquele em que vi nas primeiras vezes. Acredito que no dia da batida no poste, começou o seu fim!
                       Quando este conhecido que trabalha na empresa de ônibus vendeu o carro, quem o comprou foi um colega de colégio meu, o falecido Moisés! Este, não tinha apego nenhum ao carro, trabalhava com manutenção de geladeiras e freezer. Carregava dentro do dodge ferramentas, geladeiras e tudo que é tipo de coisa que a gente nem imagina! O amigo Moisés era pobre e mal tinha dinheiro para abastecer o carro com gasolina, então, algum tempo depois, apareceu na minha oficina com um belo botijão de gás no porta-malas. Dodge sofria nas mãos do povo!!!
                       Com o passar do tempo, por algumas vezes, o Moisés trazia o dart para algum conserto. Mas sempre pedia para colocar o menos de peças novas possíveis, sempre optava pelo mais barato e somente trocar o  que porventura poderia deixar o carro empenhado. Peças que não comprometiam o funcionamento do carro, não eram para serem trocadas, e assim era feito!
                        Certa vez, em um domingo pela manhã, o Moisés foi a minha procura na casa dos meus pais. Conversamos um pouco e ele disse que o carro estava fazendo um ronco esquisito, meio forte, parecia uma sujeira trancada em baixo do carro. Disse que no dia anterior, havia feito uma viagem de Taquara à São Francisco de Paula. Tinha ido  pelas estradas do interior, que naquela época, assim como hoje, quase só passavam carroças. Que certa altura do percurso, bateu fortemente uma enorme pedra na parte de baixo do carro.
                        Bom, dei uma volta com o dart na rua lá de casa e confirmei a ronqueira. Coloquei no macaco, deitei em baixo. Tinha um buraco na caixa de câmbio por onde poderiam passar dois dedos das mãos!! Saí e lhe perguntei por quanto tempo tinha andado depois de bater o carro, ele me disse que por uns 50km!! Disse à ele que a caixa já era!! Teria que tira-la e conserta-la. Mas o custo seria alto. O certo seria colocar outra. Depois de muita conversa e sem chegar a solução nenhuma, ele me pediu que soldasse o buraco, colocasse óleo e deixasse como estava.
                        Disse à ele que não andaria muito tempo com o carro, a caixa não iria aguentar assim como estava. Mas, assim fizemos. O tempo foi passando, o Moisés andando com o Dart daquele jeito e nada de quebrar a caixa. Tinha apenas um ronco forte, não muito alto, mas forte!
                       Um ano depois, acredito que por volta de 1987, o Moisés vendeu  o Dart para meu amigo  e também falecido Plinio Kellermann, do qual já falei  a respeito em uma antiga postagem. O seu Plinio, que também não tinha muitos recursos, continuou a andar com o Dart daquele mesmo jeito, por anos e anos a fio!! E a caixa?? Não quebrou!!
                       Bom, agora nesta fase, o estado do Dart já era bem surrado, e para continuar na mesma saga, seu Plinio também de parcos recursos, o mantinha apenas para não deixa-lo na mão! Revisões, nunca!! Apenas ia à oficina quando era obrigado, por não ter outra alternativa.
Com o passar dos anos , seu Plinio ganhou uma pintura do carro em uma rifa realizada por uma pequena oficina de pintura, virou este marrom claro!
                        O tempo foi passando ate que foi chegada a hora do Dart! Um carro que me trouxe tantos sonhos no passado, chegava agora em minhas mãos, mas para morrer! No dia em que fui busca-lo na casa do seu Plinio, o carro não funcionava mais. Mas combinei com seu Plinio de que daria à ele um último suspiro, faria ele funcionar e o levaria rodando ao matadouro!! Feito isto, não sei porque, levei o Dart para oficina, coloquei-o em um canto onde não precisaria tira-lo e... deixei lá.  Por anos o carro ficou parado no mesmo lugar, não tirei dele uma peça sequer por muito tempo. As vezes chegava na oficina de manhã, olhava para ele e lembrava do tempo em que rodava garboso e elegante pelas ruas e estradas! Como pode um carro tão bom, ser tão mal cuidado e acabar assim?? Este foi o destino, não só dele, mas de milhares de dodges, infelizmente!    
                      Quando, naquela tarde de verão , sentado com meu amigo Ganso no muro em frente da casa dele, poderia imaginar que aquele lindo dodge acabaria nas minhas mãos, e daquela maneira?? Se a gente pudesse prever o futuro?? A vida é louca mesmo! Nunca poderia imaginar, caso me contassem, não acreditaria!

Tirei esta foto do blog do Museu do Dodge, me parece que este carro é de um amigo do Badolato. No dia em que vi a foto, lembrei de salvar uma cópia para esta ocasião. O Dart da postagem de hoje era um irmão gêmeo deste. 
                       Na próxima postagem  Dodge Gran Sedan 1977