sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um Dart Amigo

                            Esta é uma postagem um pouco diferente das tantas outras que fiz até agora, e também das que estão por vir.  Quero escrever um pouco sobre um grande parceiro que tive, me acompanhou por longos 16 anos, que eu tenha conhecimento, um recorde de longevidade.
                             Ao certo, teria que escrever sobre este meu amigo, na próxima postagem. A desta, seria um Galaxie Landau, azul, 1979. Mas como este amigo apareceu justamente por causa do Galaxie, conto uma postagem antes. 
                             Nossa amizade começou no ano de 1992, logo após ele ter nascido. Com não mais de dois meses de vida, mais precisamente em maio daquele ano, nos conhecemos e dali em diante nosso convívio passou a ser diário.
                         Hoje, vejo que o significado daquele encontro para o meu crescimento espiritual, foi algo muito maior do que representou naquela época. Aquele momento em minha vida foi como ultrapassar uma grande barreira, quebrar o paradigma do meu ser, subir um degrau, sei lá como explicar. Algo muito bom para o meu "eu" começou a mudar! Mesmo que, na época, sem minha exata percepção do significado! Claro que tudo lentamente, quase imperceptível! Tudo isto, exatamente um ano após eu ter mudado para o endereço da minha quarta oficina.
                             Naquele ano, 1992, a minha oficina era muito agitada, por vezes, tinham serviços saindo pela ladrão. Clientes eram vários, de muitos lugares do estado do Rio Grande do Sul. A dificuldade em encontrar peças facilmente era enorme, em contra partida, a oferta de dodges se fazia enormemente. Então, foi uma época em que eu comprava todos, ou quase,  dodge's que aparecessem na minha frente, não interessando o seu estado, comprava pelas peças.  Época em que algumas poucas delas poderiam valer mais do que um carro inteiro. 
                             Lembro que o feriadão da Páscoa daquele ano tinha caído no final do mês de Março, de noites já bastante frias. Tinha, na semana anterior ao feriadão, recém comprado um Galaxie Landau para desmanchar. O carro funcionava perfeitamente, tinha um bom motor, contudo o Galaxie havia passado por uma péssima reforma e seu antigo dono se desgostou tanto do serviço que acabou vendendo logo em seguida. Mas esta história eu conto na próxima postagem. Eu o comprei apenas porque precisava do carburador Motorcraft para um cliente, loucura, hein?? 
                             Bom, no finalzinho da quinta-feira, quase início do feriadão de Páscoa, terminei e entreguei alguns carros que estavam na oficina, tranquei tudo e fui para casa tomar um banho. Mais tarde, naquela mesma noite, iria na famosa "colheita da marcela", fato este, que já relatei aqui no blog.
                             Assim foi feito, a noite transcorreu maravilhosa, muita diversão e nada de problema. Como cheguei em casa alta madrugada, fui dormir. No outro dia, ou seja , na sexta feira santa, não fui até a oficina. No sábado ao chegar lá, o Galaxie Landau que tinha comprado para tirar o carburador estava com o capô aberto!! Fui olhar e .... putz, roubaram o carburador!!! Na hora fiquei puto da cara, tinham levado a única peça que eu precisaria na semana seguinte!!
                                                Aí que entra o meu amigo!
                            Alguns dias antes, um criador de cachorros de raça havia me oferecido um filhote de Rootweiller, na época, por U$300,00. Hoje acho que é caro, mas naquela época ninguém, ou quase ninguém, falava nesta raça de cachorros. Fui até lá, olhei a ninhada e peguei um. De cara, olhei para ele e disse:"-Tu parece um Dart, e este vai ser teu nome". 
Aqui já com uns seis meses de vida, no escritório da minha oficina na rua Humberto Castelo Branco, 2344. Minha mulher Valquiria segurando.
                                Bom, levei ele direto a um veterinário e pedi que fizessem uma "revisão geral".  Foram feitas todas as vacinas que ele tinha direito, em seguida levei meu novo amigo para seu novo lar, minha oficina. Na minha cabeça da época, ele seria um empecilho aos larápios de plantão. E não me enganei.
                                Criei este cara como um membro da minha família. Durante todo o tempo da passagem de nossas vidas em comum, por muitas centenas de vezes ele me fez sorrir, por algumas, me fez sentir pena, por outras raiva e, por apenas uma vez, chorei por ele! Assim, sucessivamente, me proporcionava sentimentos que normalmente só são afins entre seres humanos! Enfim, os sentimentos que tive por ele foram os mais variados possíveis. Exatamente como sentimos , as vezes, por qualquer membro da nossa família.
                              Este sujeito, tenho hoje plena convicção , foi um dos responsáveis pelo meu crescimento espiritual, como homem ser humano! Digo isto, pois, até então, antes de ter tido a honra de compartilharmos uma boa parte de nossas vidas juntos, eu, havia sido criado desde a infância, na companhia de cachorros, gatos, passarinhos e uma infinidade de outros bichos. Mas nunca antes sentido o apego humano que um animal pode nos proporcionar. A partir dele, comecei lentamente, a ver o mundo animal com outros olhos. Minha adorada e estimada Polara, que tenho o enorme prazer da companhia hoje, deve a ele uma grande parcela deste sentimento paternal incondicional que sinto por ela.
                                Bueno, conforme ele foi crescendo, também foi impondo seu respeito a todos que iam até minha oficina. Entre os meus clientes e amigos, também ele fez vários amigos, que ate nos dias de hoje perguntam. Houve uma época em que todas as quintas feiras à noite saia um churrasco lá na oficina. O Dart passava o tempo todo do evento amarrado em uma corrente, ao lado da sua casinha. Durante o churrasco, todo mundo, enquanto degustava um pedaço, dava outro para o Dart. Ele comia como um louco nas quintas. Acho até que nas quartas ele já sabia: "amanhã é dia de churrasco"!
Foto tirada no mesmo dia da anterior, no escritório da minha oficina
Nesta época, ele já era adulto, tinha uma cara de poucos amigo, mas era só a cara! Foi um grande companheiro que vivenciou uma boa parte da minha vida.
                             O tempo foi passando, nós dois ficando cada vez mais velhos, e amigos. Nunca mais notei que faltasse uma peça sequer em meu estoque. O amigo Dart me acompanhou e presenciou várias coisa junto comigo. Entre estas tantas, muitos dodges, conversas com amigos, conquistas, alegrias, angustias, tristezas, dinheiro, falta de dinheiro, e, também, a época penosa do guincho. Esta em que quase foi morto por assaltantes. "- Passamos trabalho naquela época, em meu velho??" 
                                 Enfim, tudo que se passou comigo, ele sempre ali, calado e ativo. Sempre louco por um carinho e um afago. O cara que formatou a frase "O cachorro é o melhor amigo do homem" estava coberto de razão, não tem outro igual.
                                 Certa vez, eu parado na frente da oficina, portão fechado,  o Dart pelo lado de dentro da cerca, praticamente escorado nela para ficar perto de mim,  de repente, um péssimo elemento parou ao meu lalo e largou um pérola "negativa", disse ele: "Se eu quiser, eu entro aí e mato este cachorro"!! Aquela frase, naquele momento,  foi tão inusitado que pensei ser um pesadelo!! Mas minha resposta a ele foi tão instantânea que ate mesmo eu me impressionei tempos depois!! Disse ao sujeito, quase imediatamente após sua afirmação: -"Não criei este cachorro para pegar ladrões, portanto, tu não precisas querer matá-lo para entrar aí. Quem vai te pegar se tu entrar aí sou eu, tu precisas ter medo é de mim, não dele! E outra coisa, se nos próximos meses esta oficina for arrombada, não interessa que foi, para mim foi tu. Então te cuida malandro!!" O sujeito me deu as costas e saiu fedendo!! 
                                 Anos depois, quando mudei para o endereço no centro da cidade, não pude traze-lo junto comigo, pois lá, já tinha um outro cachorro, da raça Fila (Magnum I). Então minha irmã Anelise, ficou com ele. O destino lhe foi tão generoso, que não poderia ter ganho um lar melhor. Até na cama ele dormia!! Foi tratado com pão-de-ló e mingau até o fim.
Minha sobrinha Marina coordenando a matilha. Da esquerda para a direita: Brenda, Duque, Dart. Foto tirada em Abril de 2004.
                                 No verão do ano 2008, no mês de fevereiro, dia de um calor insuportável, foi a vez em que, assim como agora, escrevendo estas linhas, colocou lágrimas em meus olhos. Digo com certeza e propriedade, sem sobra de dúvidas, naquele momento o melhor Dart que tive na vida, se foi!
                               Já estava quase cego, as patas traseiras quase não mexia mais. Morreu sem dar um gemido. Naquele dia, simplesmente se recolheu ao fundo de sua casinha e de lá não saiu mais.
                               O destino quis , que quem o achasse no seu último cantinho, momentos antes de sua morte, fosse eu! Dia de muita tristeza para mim. Foi um verdadeiro guerreiro! Por muitas vezes me protegeu sem ao menos pedir algo em troca. Muito mais que um cachorro, por inúmeras vezes, foi humano! 
                                 Meu amigo DART, dedico estas poucas linhas em tua homenagem!

                                 Na próxima postagem conto sobre o Galaxie Landau 1979 Azul