sábado, 30 de novembro de 2013

Ford Galaxie Landau 1982 Azul

                     

                         Na primeira metade dos anos noventa eu tinha praticamente tudo em peças do dodge, raras foram as vezes em que um cliente saiu sem levar o que precisava. Assim como não deixava cliente algum sem peças, também eu não precisava nada para meus dodges! Entretanto, as vendas já não eram mais tão boas como nos anos oitenta, os clientes de outrora, com poder aquisitivo maior, eram raros. A grande maioria já os tinham vendido e comprado carros mais novos.
                         Mas como diz o ditado: "Quando fecha-se uma porta, automaticamente abre-se outra". E a nova porta, naquele momento, eram os Galaxies! Paralelamente a diminuição dos bons clientes de dodge, com potencial, apareciam semanalmente novos com Galaxies. Estes, ainda na época, um filão à ser explorado imediatamente.
                         Comecei então uma caçada as peças destes carros, assim como carros inteiros para serem desmanchados. Naquela época foi tarefa fácil, muito mais do que dodges, os Galaxies eram abundantes em qualquer lugar. Se comprava carros razoavelmente bons, rodando, por preços irrisórios.
                         Alguns dias após ter comprado os dois Ford que narrei na postagem passada, recebi a visita de um amigo na antiga oficina. Entre assuntos diversos, me contou que tinha estado alguns dias antes em um casamento na cidade de Porto Alegre. Antes do início da cerimônia, resolveu caminhar pelos arredores da igreja, e, em instantes, ficou surpreso com o que viu! No fundo do terreno da mesma, um Galaxie Landau abandonado. Ainda comentou com sua companheira na época,"será do padre"?? Mas irrelevante para ele, assim como para a grande maioria da sociedade na época , acabou esquecendo e voltou para dentro da igreja.
                          Eu, semanas após, ao saber da história, pensei, quando fosse à Porto Alegre novamente, o que era semanalmente, daria uma passada lá para ver o carro e tomar ciência do fato.
                         Alguns dias depois estava eu em frente  a igreja, olhei da calçada, nada se via! Ao lado tinha uma passagem de carro que mais parecia uma trilha, mas sem que pudesse acessar visualmente o fundo do terreno. Como não tinha ninguém, igreja toda fechada, cautelosamente entrei e fui em direção aos fundos. Após percorrer toda trilha, seguindo o trilho do carro, cheguei ao final da construção e pude vislumbrar a viatura.
                         O carro estava encoberto com uma lona, com a placa tapada e chaveado. Me aproximei,  puxei o canto da lona, a fim de destapá-lo, pelo menos em parte, para que eu pudesse vê-lo. Até então não notei nada de estranho, achei ate normal, pois ninguém iria deixar um carro bom, ao ar livre, sofrendo ação do tempo e aberto.
                          Continuei minha investigação, e, para meu espanto, percebi que se tratava de um excelente carro! Apesar de estar muito mofado por baixo da lona, aparentando claramente estar ali por muitos meses, a pintura do carro mostrava estar ali um carro original! Estofamentos novos, cromados perfeitos, pelo que pude ver, por dentro seu estado era impecável. Neste momento eu já "trocava as orelhas"!! Como pode um carro assim estar abandonado?? Então, analisando os fatos, já ponderava a possibilidade de que o grande automóvel pudesse estar ali escondido, e não guardado!! E o mais intrigante, mais estranho,  estar ao fundo de uma igreja!!
                          Continuei então a analisar o carro externamente, seguia levantando em pequenas partes a lona que o cobria. Cada vez mais ficava impressionado e também intrigado, sem imaginar que o mais surpreendente estaria por vir.  Quando destapo a parte traseira e olho a placa do carro, quase caio duro!! Município : Taquara - RS. Caiu a casa!!! O que este carro estaria fazendo lá??  Minha cabeça não parava mais de pensar nas probabilidades em que aquilo pudesse acontecer.
                          Bom, naquele instante eu tinha só uma certeza, queria descobrir de quem era aquele carro e como foi parar naquele local. Tapei o carro novamente e sai a procura do padre. Só ele poderia ter e dar respostas as minhas indagações.
                          Ao lado do prédio da igreja havia uma casa, pensei, provavelmente seja a casa canônica. Bati na porta e em instantes um guri me atendeu, ao certo um coroinha! Lhe perguntei pelo padre e este logo foi chama-lo. Veio o mesmo e perguntou-me: "Confissão??" Eu lhe respondi: "Não! Muito pelo contrário, eu preciso de uma confissão sua!!" Ele arregalou os olhos e para quebrar o gelo comecei a rir.
                          Depois de um pequeno bate papo e apresentações, lhe fiz a pergunta que não calava em minha consciência: "Padre, poderia me dizer se este galaxie que está aí ao fundo é seu?? Se não, poderia me dizer de quem é?? É que sou da cidade de Taquara, trabalho com peças destes carros e gostaria de compra-lo. E coincidentemente ele também é de Taquara, fiquei curioso!! "
                         Ele foi solícito e logo me explicou alguns detalhes do carro. De imediato disse que não era dele, mas sim, de um "fiel" de sua igreja. Este, como não tinha espaço para guarda-lo, lhe pediu o canto por algum tempo. Como expliquei que tinha interesse na compra, ele passou o nome e endereço do "proprietário".
                          Instantes depois estava eu rumando ao endereço passado pelo sacerdote católico. Ao chegar no destino, encontrei uma oficina mecânica, a qual, já havia eu estado antes, comprando peças de Galaxie. No momento me ocorreu uma confusão mental!! Na bendita oficina havia lugares sobrando para o galaxie ser guardado, porque o homem pediu ao padre um local??
                          Entrei na oficina e logo lembrei da fisionomia do homem atendendo no balcão. Claro, já havia estado lá antes. Após poucas palavras lhe perguntei a respeito do galaxie do fundo da igreja.  O sujeito fez cara de espanto imediatamente! Me respondeu com outra pergunta: "Porque quer saber?? Quem tu é?? Perguntou ele em um tom de voz seco e arrogante!
                          Naquele momento pensei, "tem caroço neste angu"!! Para não levantar desconfiança naquele homem, me fiz passar pelo meu amigo, o que esteve no casamento um tempo antes. Lhe expliquei que estive na igreja em um casamento e vi o Galaxie, posteriormente perguntei ao padre e ele me deu o endereço. Simples assim!! Ainda desconfiado, perguntou-me de onde eu era, lhe disse que da cidade mesmo ( Porto Alegre) Se falasse que era de Taquara acho que seria corrido a bala do local!
                           Muito a contra gosto e sem dar explicações contundentes, ele disse que o carro não estava à venda, era "seu", e o motor estava na oficina sendo retificado. Assim que tivesse tempo disponível iria re-colocar o motor e vender o carro. Nada mais disse e praticamente me mandou embora.
                          Naquele momento, ao sair da oficina, tinha comigo apenas uma certeza: " Havia algo bem errado com o Landau azul!" Mas nada mais havia  ali que eu pudesse fazer, e, muito menos em Porto Alegre. Minhas investigações agora seguiriam em Taquara.
                            Por dias e dias tentei descobrir quem haveria de ser o verdadeiro proprietário daquele carro, perguntei para quase todos os habitantes da cidade e nada. Ninguém sabia o histórico do galaxie misterioso da igreja.
                           Mas, como o destino conspira por caminhos misteriosos, a verdade veio a mim, posta em uma bandeja. Tinha um cliente aqui da cidade, hoje falecido, fabricante de piscinas e muito rico. Ele, assim como eu, era também apaixonado  por galaxie! Este tinha um casal de filhos, sendo que a filha era casada. Ela e o genro trabalhavam com ele no negócio das piscinas.
                           Em uma das tantas visitas que me fez na oficina, não perguntem porque, lhe contei toda a história do galaxie da igreja. Este, olhou para mim e disse impressionado: Eu conheço este carro!!! Foi meu um tempo e depois passei para meu genro!!  Onde está este carro??? Me perguntou!! Contei-lhe detalhadamente toda a história, sem deixar de narrar uma vírgula! Ele, a cada palavra minha, cada detalhe que contava, ficava mais impressionado! Apenas murmurava e rangia os dentes. Após terminar de lhe falar o que sabia, pedi que me contasse a história toda.
                           Vou me abster dos impropérios ao qual meu cliente retratou o dono da oficina em Porto Alegre, mas a coisa era feia! Começou dizendo que se tratava de caso do polícia!!
                           O relato foi mais ou menos assim:
                           Logo que recebeu o Landau do sogro, o genro, constatando  que o mesmo queimava um pouco de óleo, resolveu reformar o motor. Então como ele (genro) era natural de Porto Alegre, entrou em contato com alguns amigos que lhe informaram a bendita oficina, sendo como especializada em Galaxie! Dias depois o carro foi enviado aquela cidade para reforma geral do motor.
                           Segundo contou meu cliente, foi acertado um preço e também estipulado prazo para realizar serviço. Sendo que 50% do pagamento seria na entrada do veículo e o restante quando fosse retirar. Meses depois, após exaustivas visitas ao local a fim da retirada do carro, com motor refeito, o mesmo não estava pronto.
                           Das inúmeras  alegações da oficina, primeiramente, foi quanto a dificuldade em conseguir algumas peças. Posteriormente, após esta alternativa não ter minimo fundamento, o bendito mecânico alegou falta de tempo por acúmulo de serviço. E assim foram passando dias, semanas e meses, sem que o trabalho fosse concluído. Por fim, depois de esgotadas todas as possibilidades amistosas por parte do contratante, este tentou retirar o carro, mesmo com o motor desmanchado. Ou seja, resgatar o galaxie  sem reforma do motor e leva-lo a outra oficina para o término do serviço.
                           Quando esta possibilidade foi proposta  pelo genro do meu cliente, o mesmo foi severamente aviltado pelo dono da oficina! Usando a alegação de que estava esperando a entrada do dinheiro proposto no início!!! Só assim o mecânico daria andamento na reforma. Se instaurou um grande bate boca, quase levando as vias de fato! Resultando assim, depois disto, o dono da oficina lhe disse que naquele momento só iria dar seguimento no serviço, ou mesmo entregar o carro nas condições em que estava,  após receber toda a quantia, antes mesmo da entrega do carro!!  Ou seja, o dono da oficina estava cobrando por duas vezes a primeira parcela da reforma, juntamente com a segunda parcela combinada!!                                   Seguiu-se a isto  uma grande discussão entre as dua partes, ocasionando promessas de questões judiciais por ambas! De um lado sendo cobrada a totalidade do pagamento e de outro a conclusão e entrega de serviço realizada.
                            Segundo meu cliente, por diversas vezes houve tentativas frustradas da retirada do carro, ate mesmo abrindo mão dos 50% pagos na entrada. Por duas vezes foi mandado guincho à Porto Alegre e em nenhuma delas o mesmo voltou com o carro.
                            Para piorar ainda mais a pendenga, na última vez que o genro do meu cliente esteve na oficina tentando um acerto para retirada do carro, o dono da oficina negou a existência do carro!! Dizendo que não o conhecia e nunca tinha sequer visto tal carro, assim como as várias pessoas do guincho que estiveram lá para a retirada do mesmo.  Esta foi a história passada a mim pelo dono do carro! Para mim, coerente, pelo simples fato de que o carro tivera sido escondido.
                            O que aconteceu realmente eu não sei, mas o que posso afirmar de concreto é que o dono da oficina escondeu o Landau nos fundos da igreja. Dizendo para mim mesmo como testemunha, primeiramente que o carro era dele, depois alegava desconhece-lo.
                           Meu cliente,  após esta narrativa dos fatos lá na minha oficina, foi embora dizendo que iria resolver a pendenga a sua maneira.
                            Passados mais ou menos um mês, recebi uma ligação do genro do meu cliente, oferecendo o carro. Fiquei animado, disse a ele que tinha interesse na compra, mas não sabia como desenrolar aquela trama toda. Na mesma hora ele disse que o carro estava em Taquara , nos fundos da fábrica de piscina, se eu quisesse poderia ir ate lá e fecharíamos negócio. Assim fiz e comprei o carro, sem motor.
                           Meses depois, um pouco antes do meu cliente falecer, em uma conversa na minha oficina, me contou que após saber do paradeiro do carro por mim relatado, mandou um guincho à Porto Alegre! Este, levando consigo e de posse dos documentos do Landau, foi ao pátio da igreja e carregou o carro. Em que circunstâncias este fato teve desdobramentos, não sei, mas o carro veia à Taquara e nunca mais saiu daqui.    
                           Está aí uma foto do mesmo, no canto direito
             
                         Este para-lamas foi o que sobrou atualmente do Galaxie



                           Na próxima postagem, um Dart Amigo